Vamos começar o texto com uma pergunta: o que é de fato cerveja artesanal? O conceito é amplo e gera discussão, pois para alguns mais radicais cerveja artesanal é apenas aquela produzida em pequena ou microescala, com equipamentos simples, não automatizados e utilizando ingredientes bem definidos — como água, malte de cevada (e alguns outros grãos malteados ou não), lúpulo e levedura (também conhecida como fermento).
Há outros que consideram cerveja artesanal toda aquela produzida em pequena ou média escala, mas que prioriza a qualidade em detrimento dos lucros.
Eu fico neste segundo bloco de cervejeiros: considero cerveja artesanal muitas produzidas por cervejarias já nem tão pequenas, sejam cervejarias brasileiras ou do exterior, além, obviamente, das produzidas em pequena ou microescala como as fabricadas por cervejeiros caseiros (homebrewers).
Se o foco é a qualidade, para mim é cerveja artesanal! Há cervejarias que produzem em grande escala, muitos litros por mês, mas que prezam pela qualidade e sempre terão meu respeito.
Sou mais adepto do termo cerveja especial do que de cerveja artesanal, acho que abrange outros fatores de avaliação e fica de mais fácil entendimento.
De qualquer modo o que é importante saber sobre cerveja artesanal é que ela existe, está conquistando cada vez mais mercado no Brasil (e no mundo!) e você não pode ficar de fora desta brincadeira de bom gosto.
Estilos de Cerveja Artesanal
No mundo cervejeiro há diversas famílias e estilos de cervejas.
No Brasil o estilo mais consumido é o American Light Lager, que por aqui chamamos erroneamente de Pilsen. Se agora você sabe que existem vários outros tipos de cerveja artesanal, por que então beber sempre a “Pilsen” e não provar outros sabores?
A maior divisão entre estilos de cerveja artesanal está no tipo de sua fermentação, que são 3: lager, ale e híbrida. Antes de explicar cada uma delas vamos te dizer o que é fermentação!
É o processo em que microorganismos vivos (levedura ou fermento, são a mesma coisa) consomem o açúcar de algo e transformam, no caso da cerveja, em álcool e gás carbônico (além de outros subprodutos).
Na fermentação Lager a levedura consome o açúcar presente no mosto cervejeiro na parte de baixo do fermentador, por isso são chamadas de cervejas de baixa fermentação.
Muito se confunde sobre isto, pessoas costumam acreditar que cervejas de baixa fermentação são menos alcoólicas pelo termo “baixa”, o que não é verdade.
O termo está relacionado apenas à altura em que a fermentação acontece dentro do fermentador.
Já as cervejas de fermentação Ale são de alta fermentação, ou seja, a levedura consome o açúcar do mosto na parte superior do líquido no fermentador.
As cervejas de fermentação híbrida podem tanto usar os dois tipos de fermento (Ale e Lager) ou usar um tipo com fermentação em temperatura de uso característico no outro tipo de fermentação.
Exemplo: cerveja com fermento Lager fermentando em temperatura comum de fermentação para o fermento Ale ou vice versa.
Quem determina quais são as famílias ou estilos de cerveja artesanal no mundo? Existe um órgão chamado BJCP (Beer Judge Certification Program) que de tempos em tempos lança um guia de estilos baseado em muitos estudos e características de cervejas produzidas no mundo inteiro.
Cada estilo reúne uma série de características como cor, sabores, aromas, sensação na boca, índice de amargor, ingredientes usados, densidade da cerveja (famoso “corpo”, quando falam que a cerveja é “encorpada”), porcentagem de álcool por volume, dentre outras.
Viu só como o mundo de cerveja artesanal ou cerveja especial é muito mais amplo do que o das cervejas convencionais?
Nós fizemos uma Tabela Periódica da Cerveja com base no Guia BJCP 2015, onde dividimos as cervejas por tipo de fermentação, depois por famílias e por fim por estilos. Veja a imagem abaixo!
Nesta tabela é possível encontrar características de cada estilo de cerveja artesanal como a gravidade inicial da cerveja (medida antes da fermentação), gravidade final (medida depois da fermentação), cor, porcentagem de álcool por volume (famosa graduação alcoólica) e índice de amargor.
Em cada selo de estilo existem os limites aceitáveis na cerveja artesanal para que ela se enquadre dentro daquele estilo. Hoje já há um guia mais atual do BJCP mas nossa tabela periódica e nossa série de vídeos foi baseada no de 2015 mesmo.
Veja só que curioso descobrir que Pilsner (ou Pilsen) é o nome de uma família inteira de cervejas e que o que consumimos no Brasil das marcas comuns sequer faz parte desta família, mas sim da família das Light Lagers!
Os principais estilos de cerveja artesanal conhecidos pela maioria dos brasileiros são as das famílias Pilsner, Stout, Porter e os estilos Weiss (as famosas “de trigo”) ou Witbier.
Agora o mercado está crescendo e cada vez mais gente se interessando por novos estilos, sendo dos preferidos os da família India Pale Ale, com uma carga maior de lúpulo que gera mais aroma e amargor mais intenso.
Outros estilos que caíram no gosto dos cervejeiros um pouco mais experimentados em 2017 e 2018 foram as Sours (mais azedas) e as New England IPA´s ou Juice IPA´s (vertente de India Pale Ale mas com cargas absurdas de lúpulos e o uso da levedura Conan, que geram sabores e aromas florais e frutados absurdamente evidentes).
- Família Pilsner – cervejas de cor clara, com graduação alcoólica entre 4,2% e 6%, baixo amargor e corpo baixo. Os estilos de Pilsner no guia BJCP 2015 são German Pilsner, Bohemian Pilsner e Classic American Pilsner.
- Família Stout – cervejas escuras, com graduação alcoólica entre 4% e 12%, amargor de médio a alto e corpo de baixo a médio. Os estilos mais conhecidos desta família são Dry Stout, Oatmeal Stout e Russian Imperial Stout.
- Família Porter – cervejas escuras, com graduação alcoólica entre 4% e 9,5%, amargor médio e corpo de baixo a médio. Brown Porter é o estilo mais conhecido nesta família.
- Estilo Weiss – criado no sul da Alemanha, na região da Baviera, o estilo usa trigo na receita, que deixa a cerveja com leve turbidez. Ao contrário do que muitos pensam os sabores a aromas de banana e cravo não estão presentes por conta de adição destas frutas na cerveja, mas sim por origem da fermentação, vindos de subprodutos da fermentação característicos do fermento utilizado.
- Estilo Witbier – estilo também conhecido como Belgian White, da Bélgica, com tradução como Cerveja Branca. Uma cerveja leve, que usa trigo, semente de coentro e casca de laranja que trazem um frescor sensacional ao sabor.
- Família India Pale Ale – agora com vários estilos, a família cresce cada vez mais. Característica por usar maiores cargas de lúpulo, a família tem graduação alcoólica entre 5% e 10%, amargor de médio a alto e corpo de baixo a médio. Novos estilos da família podem ter características diferentes, como as Session IPA´s que tem baixa graduação alcoólica ou as Imperial IPA´s, que tem alto volume de álcool e amargor muito acentuado.
Os Ingredientes
O principal grão usado para a produção é o malte de cevada e mesmo dele temos uma enorme diversidade de tipos, que variam de acordo com o tipo da planta cevada ou até de sua malteação e torrefação.
Além do malte de cevada outros grãos são usados na produção da cerveja artesanal, como aveia, trigo, centeio, etc, sendo estes malteados ou não.
O processo de malteação dos grãos é usado para preparar os grãos para germinação sob condições controladas. Os grãos malteados têm maior índice de açúcar, o que otimiza o uso para a produção da cerveja artesanal.
O que é mosto cervejeiro?
É praticamente um chá feito usando água e malte de cevada (ou malte de outros grãos, ou grãos não malteados) onde se extrai dos grãos o amido que se quebra em açúcares menores quando exposto a determinadas temperaturas da água deste chá. Ufa! Deu pra entender?! Enfim, o mosto é o “chá do malte de cevada coado, com os açúcares fermentáveis produzidos durante o cozimento e com adição de lúpulo”. A partir daí coloca-se a levedura e quem faz a mágica são estes bichinhos maravilhosos.
As leveduras (ou fermento) são microorganismos vivos e existem, também, assim como os lúpulos, em uma série de tipos. São fungos estudados e cruzados há muitos e muitos anos, assim criaram-se várias espécies de levedura e cada qual traz características diferentes à cerveja artesanal. Há as que deixam a cerveja com sabor mais seco, por exemplo, outras que trazem aromas e sabores de frutas (como no caso dos sabores de banana e cravo característicos das cervejas de trigo Weiss, originárias do sul da Alemanha).
A Saccharomyces cerevisiae é utilizada tanto na produção de pães como de cerveja artesanal. Leveduras podem ser mais ou menos resistentes ao álcool, mas são elas que consomem o açúcar do mosto cervejeiro e transformam-no em dois principais produtos importantíssimos para a cerveja artesanal: álcool e gás carbônico.
Então, amigos, quem “coloca o álcool na cerveja” não são os humanos que a fabricam, mas sim a levedura! Como ela também produz gás carbônico, é usada para refermentação da cerveja já na garrafa e, neste caso, responsável pela carbonatação (colocar gás) da cerveja também.
Outra forma de carbonatação da cerveja é a forçada, colocando a cerveja em um recipiente fechado como o fermentador, por exemplo, e injetando gás carbônico através de um cilindro do gás comprimido.
O lúpulo citado acima é uma planta da família Cannabaceae, da espécie Humulus Lupulus, curiosamente “prima” da Cannabis Sativa, a maconha.
Existem muitas espécies de lúpulos e os principais produtores são países europeus, como Alemanha e Inglaterra, ou de outras regiões como a Austrália e Estados Unidos.
No Brasil estamos “engatinhando” na produção, mas já existem pequenos produtores e estudos sobre a viabilidade da plantação em nosso território, já que o lúpulo é uma planta sensível a vários fatores climáticos.
A parte usada do lúpulo para a produção da cerveja artesanal é a flor.
Cada espécie de lúpulo traz características diferentes à cerveja artesanal, podendo ser sabores, sensações na boca e aromas completamente diferentes.
Lúpulos ingleses puxam o sabor mais para o terroso, tradicionalmente, e os lúpulos americanos, por exemplo, são desenvolvidos para trazer aspectos mais herbáceos, florais e frutados.
Além do tipo de lúpulo o que vai influenciar o que ele trará à cerveja artesanal é o momento em que ele é utilizado na produção, podendo ser durante a fervura do mosto cervejeiro (em cada momento traz uma característica diferente, por exemplo no começo da fervura trará mais amargor e mais pro final dela trará mais aromas e sabores), após a fervura ainda com o mosto quente, durante a fermentação da cerveja ou durante sua maturação a frio.
A água cervejeira antigamente tinha sua origem como algo muito importante. Hoje com a tecnologia de produção e conhecimentos químicos é possível reproduzir a água com as características necessárias para a produção da cerveja artesanal.
Os principais fatores estão no Ph e dureza da água, influenciados pela quantidade de alguns sais minerais. As características da água usada na produção influenciam muito nas características finais da cerveja artesanal.
Agora já falamos sobre os principais ingredientes cervejeiros: água, malte, lúpulo e levedura! Podemos entrar em mais detalhes em outros textos.
O Mercado Da Cerveja Artesanal
Há quem diga que cerveja artesanal custa caro, mas posso afirmar e garantir que a experiência vale cada centavo investido.
De fato são cervejas mais caras do que as convencionais, mas isto porque usam processos mais adequados para a produção com qualidade, insumos e matérias primas importadas de qualidade indiscutível, além de não utilizarem técnicas de aceleração de fermentação, ingredientes conservantes, estabilizantes ou até milho transgênico.
Outro “detalhe”: nenhuma cervejaria artesanal ganha milhões de incentivo de governo municipal, Estadual ou Federal, muito pelo contrário!
O mercado de cerveja artesanal no Brasil significa 1% do consumo total de cerveja no país em volume. Isso mostra o quanto ainda podemos aprender e quanta gente ainda pode provar a cerveja artesanal por aqui.
O número de cervejarias artesanais (fábricas, não bares!) no Brasil cresceu 91% de 2014 a 2017, passando de 356 a 659 segundo o Ministério da Agricultura, órgão que regula o mercado cervejeiro nacional. Outro fato curioso é que a cerveja artesanal gera mais empregos, proporcionalmente, do que as grandes cervejarias.